Grupo fechado de Mulheres incestuosas (héteros, bi e lésbicas) no Facebook? Investigação detalhada

Uma leitora da COAR recebeu um vídeo e encaminhou em seguida para a nossa equipe, que retrata duas reportagens: uma sobre um suposto grupo fechado no Facebook chamado “Mulheres incestuosas (héteros, bi e lésbicas)” com centenas de membros e outra a respeito do Projeto de Lei 3.369/2015, que “Institui o Estatuto das Famílias do Século XXI”, do deputado federal Orlando Silva (PCdoB). A questão é que o vídeo divulgado na internet contém distorções de dados de anos anteriores.

A COAR verificou o conteúdo juntamente com o doutorando em Sociologia pela Universidade Estadual do Ceará (UECE), pesquisador do ARIDA (Advanced Research in Database – UFC) e do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (LEPEM-UFC), Pedro Jorge Chaves Mourão. “Esse grupo pode ou não ter existido, mas não houve nenhuma pista que leve a isso. Algumas páginas quando são apagadas deixam rastros. Por exemplo se tem uma página e ela é derrubada, ainda fica indexada no Google, ou seja, fica salva no cache de memória do Google. A narrativa construída no texto é que mães héteros, gays e bi abusam dos filhos. Eles não precisam gerar a prova, por isso eles lançam a dúvida”, ressaltou Pedro.

O Facebook não confirmou se tal grupo existe ou se chegou a existir na rede social. Além disso existem grupos extremistas que fabricam esses conteúdos falsos, principalmente para denegrir as minorias. “Em geral, especulação e factoides em cima disso geram notícias falsas. Independente dessa página ter existido ou não, não encontrei provas e nem testemunhas. O que não impede dela ter de fato que tenha existido, mas o fato da sua existência é pouco provável pela obviedade da necessidade da ocultação do crime. Vale aqui o bom senso e a dúvida. Pois é preciso que a Polícia Civil seja acionada para investigar e saber se de fato a página existiu”, explicou Pedro.

Candidato a vereador de São Paulo divulga o conteúdo, mas não informa a autencidade do mesmo

A COAR conseguiu identificar que a publicação do conteúdo foi criada por um perfil que utiliza a imagem de  um adolescente no aplicativo iFunny, que reúne uma imensa coleção de memes encontrados na internet.

Confere Aí identifica identifica também trechos desinformativos no conteúdo divulgado nas redes sociais

Para o doutorando em Sociologia e acadêmico em Análise e Desenvolvimento de Sistemas, Pedro Jorge Chaves Mourão, páginas que replicaram o conteúdo que não apresentam referência sobre as fontes de suas afirmações têm potencial de serem dedicadas a produzir difamação. Além disso, a COAR conseguiu identificar que vários usuários publicaram o vídeo ou a imagem do suposto grupo sem qualquer verificação.

Reportagem da TV Vitoriosa. Reprodução: Youtube (2020)

Quanto às reportagens citadas em vídeo, a primeira não é possível identificar qual veículo publicou. Enquanto a segunda é do dia 20 de agosto de 2018, da TV Vitoriosa, emissora sediada em Ituiutaba, porém concessionada em Uberlândia, ambas cidades do estado de Minas Gerais, que também é filiada ao SBT. Na reportagem, é destacada o projeto de lei do deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), que institui o Estatuto das Famílias do Século 21. No entanto, o vídeo manipulado é divulgado massivamente nas redes sociais com o intuito de deturpar a opinião do público quanto ao texto do PL.

Não é citado em nenhum momento o casamento entre pais e filhos e tampouco o casamento entre mais de duas pessoas no texto do Projeto de Lei. O texto é supérfluo de fato, por isso, muitas pessoas interpretaram que se referia a liberação de casamento incestuoso. Uma verificação do site Boatos consta a informação de que o texto do PL é uma resposta a um projeto criado pelo deputado Anderson Ferreira (PR-PE) em 2013 e aprovado em comissão especial em 2015 que visa instituir que a família é um “núcleo social formado a partir da união entre um homem e uma mulher” ou “por comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”.

Outra questão a ser observada e esclarecida é que tanto no Código Civil (artigo 1.521) quanto no Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848) existem as chamadas situações impeditivas ao casamento:

  • Ascendentes com os descendentes (parentesco natural ou civil); 
  • Afins em linha reta; 
  • O adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante; 
  • Os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive; 
  • O adotado com o filho do adotante; 
  • As pessoas casadas; 
  • O cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte;

Segundo o advogado, Vagner Júnior, os artigos do PL são muito genéricos sobre o tema constituição de família e não citam necessariamente sobre casamento. “O PL se refere a constituir família no sentido de uma unidade familiar, ou seja, duas pessoas, que se reconhecem como parentes, independentes de laços sanguíneos”, declarou.

Ainda de acordo com o advogado, o deputado do PCdoB não poderia fazer alteração no Código Civil por meio do PL, porque uma Lei Ordinária não pode revogar a Constituição. “Mas este não é o primeiro projeto de lei que fala sobre o Estatuto da Família, houveram outros”, pontua o advogado.

O advogado Vagner acrescenta que o PL defende que para ser considerado família basta ter o laço afetivo, mas o projeto é muito vago, infelizmente”,

O texto do Projeto de Lei consta os seguintes artigos:

Art. 1º Esta lei institui o Estatuto das Famílias do Século XXI. Parágrafo único. O Estatuto das Famílias do Século XXI prevê princípios mínimos para a atuação do Poder Público em matéria de relações familiares.

Art. 2º São reconhecidas como famílias todas as formas de união entre duas ou mais pessoas que para este fim se constituam e que se baseiem no amor, na socioafetividade, independentemente de consanguinidade, gênero, orientação sexual, nacionalidade, credo ou raça, incluindo seus filhos ou pessoas que assim sejam consideradas. Parágrafo único. O Poder Público proverá reconhecimento formal e garantirá todos os direitos decorrentes da constituição de famílias na forma definida no caput.

Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

Deputado desmente em seu perfil do Twitter tais declarações sobre seu Projeto de Lei

Além disso, o deputado federal Orlando Silva (PCdoB) publicou um Twitter no dia 19 de agosto de 2019, onde criticava a divulgação de inúmeras informações deturpadas e equivocadas nas redes sociais sobre o projeto de lei.

Escrito por: Marta Alencar

Referências da COAR:

Twitter do deputado Orlando Silva

E-farsas

Câmara dos Deputados

TV Vitoriosa

Boatos

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s